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A escuta psicanalítica no manejo do sofrimento psíquico e do suicídio: reflexões clínicas

  • Foto do escritor: Vitória Machado
    Vitória Machado
  • há 21 horas
  • 4 min de leitura

Atualizado: há 12 minutos

Enquanto teoria e técnica, a psicanálise propõe um olhar atento e uma escuta sensível para as dores da alma, livre de preconceito. Sua prática busca aliviar os sofrimentos psíquicos por meio da escuta ativa e do processo transferencial, arquitetando uma forma de cura através da verbalização das angústias internas, interpretadas sem julgamentos com ajuda da analista, na tentativa de amenizar o mal-estar presente.

Cada sujeito é único e com detalhes construídos dialeticamente, mais do que enquadrá-lo em categorias de sofrimento, o que se mostra essencial é escutá-lo, acompanhá-lo em sua dor e possibilitar a significação e ressignificação das singularidades de seu inconsciente, como destacado por Birman (1991). Zimerman (2008) lembra que uma das regras fundamentais da psicanálise, postulada por Freud, é a associação livre — um convite para que o analisando exponha espontaneamente os pensamentos que surgem em sua mente, verbalizando-os ao analista independentemente de suas inibições e julgamentos. É por meio da associação livre que se torna possível o encontro do paciente com suas questões internas, além de abrir espaço para a transferência entre analista e analisando, oferecendo uma nova perspectiva sobre a vida e o mundo.

Conforme elucidam Calazans e Bastos (2008), é a partir do acolhimento e da escuta profissional que se pode extrair o que está emaranhado no sujeito, ou aquilo que o oprime a ponto de reduzir o uso da linguagem e transformá-lo em ato. Por isso, no manejo clínico com sujeitos suicidas, Marcelli e Braconnier (2007) esclarecem que, apesar da urgência em escutar o suicida, nem sempre há necessidade de uma ação imediata ou de um “fazer algo” propriamente dito. A urgência real é a da escuta.

Na verdade, este "fazer" talvez esteja mais ao lado do sujeito suicida que está as voltas de um ato-crise, e em contraste a isso, Fochesatto (2011) acredita que a linguagem pode substituir a ação. Com auxílio da palavra, um afeto pode ser ressignificado, permitindo o paciente acessar ideias recalcadas que originam os sintomas atuais e, assim, entrar em contato com a pulsão de morte que o angustia. Ao tratar-se de um sujeito suicida, potencialmente melancólico, o que está em jogo é a falha da linguagem, consequência da fragilidade do Nome-do-Pai, significante que trabalha como organizador. Como expõem Cruz, Resende e Reis (2019), quando esse significante é abalado, compromete-se a cadeia significante e “abre-se o ralo” por onde a libido escoa sem possibilidade de simbolização. Nesse cenário com o excesso pulsional sem meios de escoamento, o sujeito tende à passagem ao ato.

Segundo Laplanche e Pontalis (1967/1991), a passagem ao ato consiste na transição da representação para a ação concreta. Lacan (1962-63/2005) complementa ao afirmar que se trata de uma liberação motora como resposta possível à angústia. Assim, para um sujeito com dificuldades na simbolização, o suicídio pode se apresentar como uma saída viável.

Dessa forma, ao trabalhar com este tipo de caso, Fukumitsu (2014) reflete que o manejo requer respeito, disponibilidade, tolerância às frustrações, contato constante com a dor e atuação interdisciplinar. Além disso, é fundamental que o profissional suporte a falta de sentido do outro — um dos maiores desafios desse trabalho. A autora também destaca que o terapeuta não tem, nem deve buscar ter, controle sobre a vida do paciente. O foco não deve ser a nada simples evitação da morte, mas a ampliação de situações em que o sujeito possa experimentar o sentimento de estar vivo.

Portanto, frente ao suicídio, o que se apresenta como mais urgente pode não ser a ação, mas a escuta genuína, capaz de sustentar o vazio e dar lugar ao desejo, criando possibilidade de ressignificação da dor e o encontro de novos caminhos de existência - possível pela partilha de traumas, dores e reflexões entre paciente e analista, e neste ponto, parece fazer sentido finalizar o texto com uma citação de Ferenczi:

“[...] talvez não lhe possamos oferecer tudo o que caberia em sua infância, mas só o fato de que possamos vir em sua ajuda já proporciona o impulso para uma nova vida, na qual se fecha o dossiê de tudo o que se perdeu sem retorno e, além disso, efetuando o primeiro passo, é permitido contentar-se com o que a vida oferece, apesar de tudo. Não rejeitar em bloco, mas vitalizar o que ainda pode ser utilizável.” (Ferenczi, 1992, p. 117)



 Referências:


BIRMAN, Joel. Sujeito, singularidade e interpretação em psicanálise. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, 1991.

CALAZANS, Roberto; BASTOS, Angélica. Urgência subjetiva e clínica psicanalítica. Revista Latino-Americana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 11, n. 4, p. 640-652, dez. 2008.

CRUZ, Alexandre Dutra Gomes da; RESENDE, Dordania de Souza; REIS, Joanna Brown Wetter de Oliveira. A dinâmica psíquica do suicídio sob a perspectiva do desnudamento do Eu na melancolia. Reverso, Belo Horizonte, v. 41, n. 78, p. 35-44, dez. 2019.

FERENCZI, Sándor. Reflexões sobre o trauma. In: FERENCZI, Sándor. Obras completas de Sándor Ferenczi. São Paulo: Martins Fontes, 1992. cap. 10, p. 109-119.

FOCHESATTO, Waleska Pessato Farenzena. A cura pela fala. Estudos de Psicanálise, Belo Horizonte, n. 36, p. 165-171, dez. 2011.

FUKUMITSU, Karina Okajima. O psicoterapeuta diante do comportamento suicida. Psicologia USP, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 270-275, mar. 2014.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. v. 10. (Original de 1962-1963).

LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da psicanálise. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. (Original de 1967).

MACEDO, Mônica Medeiros Kother; WERLANG, Blanca Susana Guevara. Trauma, dor e ato: o olhar da psicanálise sobre uma tentativa de suicídio. Ágora, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 89-106, jul. 2007.

ZIMERMAN, David E. Manual de técnica psicanalítica. Porto Alegre: Artmed, 2008.

 
 
 

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