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Breve introdução à perspectiva da psicanálise sobre o amor

  • Foto do escritor: Vitória Machado
    Vitória Machado
  • 8 de abr.
  • 4 min de leitura

Atualizado: há 6 dias

O amor captura a atenção. Inúmeras são as pessoas que tentam evocá-lo, seja por meio da reflexão sobre o que, afinal, seria o amor, seja simbolizando o afeto através de poemas, filmes, pinturas, músicas ou qualquer forma de arte. A psicanálise, certamente, não foi a primeira a tratar do amor. No entanto, Freud se aventurou a abordar esse tema em diversos momentos de sua obra — afinal, é difícil imaginar um cenário em que se possa falar de psicanálise sem, de alguma forma, passar pelo amor.

Já em um de seus escritos do início do século XX, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905) cita o mito de Aristófanes, no qual duas metades, separadas pelos deuses, procuram se reunir novamente por meio do amor. Aqui, o analista já alude à noção, geralmente compartilhada pelos indivíduos, de um amor de completude — aquele que seria um caminho para a felicidade plena. Trinta anos depois, em O mal-estar na civilização, Freud (1930) aborda os sofrimentos que o amor pode causar. Nesse texto, o autor austríaco elabora que o sofrimento nos ameaça a partir de três direções: do nosso próprio corpo, que um dia morrerá; do mundo externo, que pode se voltar contra nós; e, é claro, das relações com o outro. Em suas palavras: “O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro.” (Freud, 1930, p. 84–85).

Apesar dos sofrimentos decorrentes do contato com o outro e dos conflitos gerados por uma forma de vida que “[...] faz do amor o centro de tudo, que busca toda satisfação em amar e ser amado” (Freud, 1930, p. 89) — e que, inevitavelmente, entra em choque com as restrições e os interesses impostos pela entrada do sujeito na civilização —, ainda assim, de modo geral, os indivíduos se dirigem ao amor, que pode assumir diferentes roupagens. Neste ponto, retorno ao que Freud afirma em A dinâmica da transferência (1912/2010), onde ele explica que a necessidade de amor, não plenamente satisfeita, é transferida, junto com expectativas libidinais, para novas pessoas, com base em modelos já conhecidos, como as imagos paterna ou materna. Assim, nos amores, atualizamos experiências do passado em situações do presente — e, por isso mesmo, tantos se queixam de sofrer sempre com os mesmos problemas em seus relacionamentos amorosos, como em uma repetição.

Retomando a questão das diferentes formas que o amor pode assumir, voltamos a Freud em Introdução ao narcisismo (1914/2010), no qual ele esclarece a existência de dois tipos de escolha amorosa: a escolha narcisista e a escolha por apoio. A esse respeito, recorro à autora Marcia de Assis, em seu texto Fazer amor é poesia: laço e contingência, onde ela explica que é na escolha por apoio que se vê a transferência da libido. Nesse processo, o investimento erógeno original se ramifica e então “ocorre transferência de a para a imagem do Outro, conferindo valor erótico a este, conferindo o brilho desejável [...]” (Assis, 2015, p. 178) — ideia que complementa o que Soler (2012) elabora ao afirmar que não existem escolhas de objetos amorosos em que o objeto a não tenha sido extraído.

Para esclarecer, ainda que brevemente, esse conceito tão essencial à psicanálise lacaniana — o objeto a — recorro à ajuda de Medeiros e Matos (2018). Segundo os autores, é diante da extração (ou da falta) desse objeto que o sujeito assume uma posição frente ao Outro. No momento em que não há distinção entre o corpo do sujeito e o corpo do Outro materno, ocorre uma separação. Como elabora Lacan:


Pela separação o sujeito acha, se podemos dizer, o ponto fraco do casal, primitivo da articulação significante, no que ela é de essência alienante. É no intervalo entre esses dois significantes que vige o desejo oferecido ao balizamento do sujeito na experiência do discurso do Outro, do primeiro Outro com quem ele tem que lidar, ponhamos, para ilustrá-lo, a mãe, no caso. E no que seu desejo está para além ou para aquém no que ela diz, do que ela intima, do que ela faz surgir como sentido, e no que seu desejo é desconhecido, é nesse ponto de falta que se constitui o desejo do sujeito. (Lacan, 1964, p. 213–214)


Com essas considerações, podemos compreender o que Assis (2015) elabora sobre a impossibilidade de falar do amor sem referir-se à perda, à separação, à falta — diferentes formas de nomear essa cisão fundamental. É dessa configuração faltante que surge o ser desejante, isto é, o sujeito que buscará o Outro nos vários outros, na tentativa de preencher o vazio gerado por essa falta. Por isso mesmo, retomando as palavras do psicanalista francês, Lacan profere:


Eu te desejo, mesmo sem saber. Desejando-o, sempre sem saber disso, eu o tomo pelo objeto, por mim mesmo desconhecido, de meu desejo... eu te identifico com o objeto que falta a ti mesmo. (Lacan, 1962–63, p. 37)


Podemos então retomar o aforismo lacaniano: “Amar é dar o que não se tem”. Essa fórmula enigmática aponta para uma experiência essencial do amor na psicanálise: só é possível amar quando se reconhece a própria falta — e, ainda assim, se oferece ao outro aquilo que jamais será plenitude. O amor, nessa perspectiva, não é sobre completude, mas sobre o encontro entre duas faltas que, mesmo sem se encaixarem, permanecem em laço.

 
 
 

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